Aposentado que continua na ativa pode perder o direito ao FGTS

O governo Bolsonaro apresentou ao Congresso Nacional no último dia 20 de fevereiro a proposta de Reforma da Previdência. Entre todas as mudanças, uma delas diz respeito a um tema que interfere nas relações trabalhistas e deve gerar muita discussão: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Caso seja aprovada pelos parlamentares a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, serão instituídos o fim da obrigatoriedade de recolhimento de FGTS e o consequente pagamento da multa de 40% aos empregados já aposentados pela Previdência Social.

Mas o que esta mudança significa?

Trata-se de uma possível perda de direitos que ainda não está clara. Isto porque, com a mudança, o beneficiário pode perder o direito a multa de 40% sobre o saldo do período em que ainda não era aposentado.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, ao contrário do que muitos pensam, o Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço não é descontado do salário do trabalhador, ou seja, é um custo do empregador, que recolhe mensalmente 8% sobre a remuneração do trabalhador.

Vejamos como exemplo um empregado que se aposentou após 30 anos de trabalho em uma mesma empresa: com a Lei atual, caso ele se aposente, saque o saldo do FGTS, siga trabalhando mais 5 anos no mesmo empregador e seja dispensado, ele terá direito a multa de 40% do FGTS, que deverá ser calculada sobre todos os 35 anos de FGTS, mesmo que a conta esteja sem saldo no momento da rescisão.

Por outro lado, caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 seja aprovada com o texto atual, usando o mesmo exemplo acima, não fica claro se o funcionário terá direito à multa de 40% sobre os 30 anos, sobre 35 anos, ou se não terá direito a multa alguma.

A multa fundiária de 40% é um direito material e, via de regra, ao direito material se aplica a norma vigente a época do “fato gerador” da multa, ou seja, a Lei vigente na data da rescisão. Assim, no exemplo acima, uma das teses, seria a de que o trabalhador dispensado não teria direito a multa alguma.

Já com relação aos depósitos fundiários mensais de 8%, uma das teses seria a de que o trabalhador contratado antes da entrada em vigor da nova Lei não perderia o direito ao FGTS, uma vez que o contrato de trabalho teria sido celebrado nos termos da Lei anterior, tratando-se de um direito adquirido.

Se aprovada, a alteração deve gerar insegurança para empregados e empregadores, com o surgimento de inúmeras teses jurídicas sobre o tema, que ficarão a cargo de interpretação da Justiça.

Há divergências no mundo jurídico sobre o FGTS se tratar de uma cláusula pétrea ou não. Como se sabe, cláusulas pétreas não podem ser alteradas e, em tese, a retirada desse direito poderia ser considerada inconstitucional. O tema, se aprovado, certamente será alvo de ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

O fim da obrigatoriedade de aderir ao depósito no FGTS aos aposentados é algo considerado preocupante por conta da perda de um elemento de seguridade para o trabalhador e do impacto nos investimentos públicos em saneamento, moradia popular e infraestrutura. Isso aconteceria por conta dessas áreas se utilizarem dos recursos obtidos pelo governo a partir das poupanças do fundo de garantia.

É fato que é necessário que o governo resolva o déficit da previdência e que equilibre as contas do país. Entretanto, é mais justo socialmente que isso seja feito com o apoio de todos os grupos da sociedade, sem a preservação de privilégios e a perda da proteção social garantida pelo Estado a uma parcela mais frágil da população.

A ideia seria incentivar os empregadores a contratar aposentados, o que me parece louvável, mas seria justo endurecer as regras da aposentadoria e retirar um direito trabalhista de uma única vez?

Também não se mostra razoável manter a obrigatoriedade do desconto previdenciário do aposentado que continua na ativa, uma vez que o mesmo já se aposentou e não terá nenhuma contrapartida com a respectiva contribuição. Essa sim seria uma boa medida.

O projeto de reforma seguirá em debate, com críticas e defesas ao longo do primeiro semestre do ano em que o governo buscará com que ele siga em frente. É recomendável que os trabalhadores favoráveis a essa proteção e à manutenção do FGTS fiquem atentos aos próximos capítulos e que se posicionem em meio à disputa em torno da reforma da Previdência. Muitos interesses e direitos estão em jogo.

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/aposentado-que-continua-no-mercado-de-trabalho-podera-perder-fgts/​

Proposta de reforma da Previdência retira fgts dos aposentados

A proposta do governo Jair Bolsonaro retira a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado, e do pagamento da multa de 40% na rescisão contratual em caso de demissão desses trabalhadores.

Ou seja, se uma pessoa trabalha por 30 anos, se aposenta e continua trabalhando por mais 5 anos, não receberá mais a multa indenizatória nem terá direito a novos recursos do FGTS.

Para Daniel Moreno, sócio do Magalhães&Moreno Advogados, esse assunto pode dar uma boa briga. “Se ele está na mesma empresa e se aposenta, ele perderá o direito à multa de 40% do FGTS até do tempo anterior à aposentadoria?”, questiona.

Ou seja, a retirada do direito será referente a todo o período trabalhado ou será garantido porque valerá a lei da época em que o funcionário foi contratado por se tratar de direito adquirido?

“Depois de 10 anos, se aposenta, continua por mais 2 anos na empresa, aí é dispensado sem motivo. A multa será paga sobre os 12 anos corridos que ele trabalhou ou não?” questiona.

Para o advogado, há quem interprete que o FGTS é uma cláusula pétrea da Constituição e, portanto, não pode ser alterada. “Mas há divergências se é um direito social fundamental ou se não é considerado uma cláusula pétrea”, diz.

“certamente haverá uma ação de inconstitucionalidade no STF”, opina.

Direito garantido na Constituição

 

Em 1988, a Assembleia Nacional Constituinte transformou a multa do FGTS em direito constitucional e ampliou o valor de 10% para 40%.  Com a regulamentação da Constituição, foi promulgada em 1991 a nova legislação previdenciária que autorizava o trabalhador a se aposentar sem o rompimento do vínculo empregatício. Em caso de demissão, valia a multa de 40% sobre todos os depósitos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação direta de inconstitucionalidade e decidiu em 2006 que os aposentados que continuaram a trabalhar tinham o direito reconhecido.

Agora, a proposta do governo quer retirar a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS dos empregados já aposentados e o pagamento da multa de 40%.

Logo depois que o FGTS foi criado, em 1966, um decreto-lei condicionou a aposentadoria ao rompimento do vínculo empregatício. Mas esse desligamento obrigatório era uma exigência meramente formal – em muitos casos, o vínculo era restabelecido. E se o empregado fosse despedido, a CLT garantia que ele seria indenizado por todo o tempo trabalhado.

Em 1975, o artigo 453, que trata do assunto, foi alterado, beneficiando os empregadores para que não tivessem de pagar a indenização sobre todo o período trabalhado. Em caso de ser demitido, o trabalhador aposentado que voltasse ao trabalho seria indenizado apenas pelo tempo posterior ao benefício. Em 1988, porém, a multa indenizatória tornou-se um direito constitucional.

Marta Cavallini