Aposentadoria Especial corre risco de extinção

Arthur Gandini
Do Portal Previdência Total

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 06/2019, que institui reforma na Previdência Social do País, passou por votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados depois de seis meses de discussão na comissão especial. O segundo turno da votação pela Casa está previsto para início de agosto e, entre as mudanças aprovadas, está a instituição de idade mínima para a chamada aposentadoria especial. A mudança, contudo, na avaliação de especialistas, deve fazer com que esse modelo de aposentadoria seja extinto na prática.

Entre os profissionais que poderão ser afetados estão aeroviários, bombeiros, enfermeiros, cirurgiões, dentistas, eletricistas, engenheiros químicos, metalúrgicos, estivadores, médicos, mineiros, motoristas de ônibus e de caminhão, tratoristas, operadores de raios X, pescadores, soldadores, tintureiros, operadores de câmaras frigoríficas e trabalhadores da construção civil, entre outros que atuam em condições penosas e/ou insalubres.

O benefício é destinado hoje aos trabalhadores que exercem atividades em locais com agentes que são nocivos à saúde, como calor, frio e ruído, prejudicando, ao longo do tempo, sua integridade física. Pelas regras atuais, é necessário completar 15, 20 ou 25 anos de contribuição, dependendo do agente nocivo (baixa, média e alta periculosidade), sem exigência de idade mínima nem incidência do fator previdenciário. É preciso que a exposição seja contínua e ininterrupta, em níveis acima do previsto pela legislação. O valor do benefício é de 100% da média aritmética simples de 80% das maiores contribuições.

De acordo com o novo texto da reforma da Previdência, as atividades especiais que exigem 15 anos de contribuição, como a dos mineiros, passarão a ter a idade mínima de 55 anos para homens e mulheres. Já no caso das atividades que exigem 20 anos de contribuição, como a dos eletricistas, será necessário completar 58 anos de idade mínima. Atividades que exigem 25 anos de contribuição, como a dos metalúrgicos, exigirão 60 anos de idade mínima para aposentadoria. Além disso, o valor do benefício também passará a ser de 60% da média de todos os salários de contribuição, acrescido de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo mínimo de 20 anos de contribuição na atividade especial.

“A aposentadoria especial praticamente será extinta, devido à exigência de idade mínima, contrariando totalmente os princípios da modalidade desse benefício”, avalia Vitor Carrara, especialista em direito previdenciário do escritório Stuchi Advogados. Ele defende que o segurado que busca a aposentadoria especial necessita se aposentar precocemente, pois tem a sua capacidade de trabalho e expectativa de vida reduzidas. “A aposentadoria especial perde sua principal característica, que é proteger aquele que sofreu danos à sua saúde. Resultará com que os jovens parem de contribuir ou não se interessem por manter o vínculo de contribuição contínuo ou mesmo de trabalhar em atividades especiais”, prevê.

A avaliação é a mesma de João Badari, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. “É um total desrespeito ao trabalhador exposto a agente nocivo. Essas pessoas sacrificam sua saúde por décadas e não poderão se aposentar até atingir idade mínima”, afirma. Segundo o especialista, a mudança pode resultar em uma “futura geração de pessoas adoecidas, incapacitadas e que irão falecer antes de se aposentar em razão do trabalho.”

Para Leandro Madureira, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a exigência de idade mínima é absurda. “A realidade brasileira é bem diferente daquilo que foi discutido na Câmara. A maioria dos trabalhadores submetidos a condições especiais já não consegue se aposentar nessa modalidade, principalmente os mais pobres. Não se pode admitir que um trabalhador de minas de carvão tenha que exercer seu labor até completar determinada idade, tendo ele começado a trabalhar aos 18 anos.”

O governo prevê que, com o texto atual, será possível economizar em dez anos até R$ 933,5 bilhões dos cofres do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). De acordo com os últimos dados do Anuário Estatístico da autarquia, abastecido pelas informações das empresas, ao menos 673 mil trabalhadores no País estavam expostos, em setembro de 2017, a agentes nocivos ao exercerem suas funções.

País tem um acidente a cada 49 segundos

O especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, Erick Magalhães, lembra que o Brasil é um dos campeões em doenças e acidentes do trabalho. Segundo dados recentes do Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho do MPT (Ministério Público do Trabalho), o País registra um acidente de trabalho a cada 49 segundos, em média. “A tendência é que aumente ainda mais o número de acidentes e doenças do trabalho ao exigir que pessoas trabalhem por mais tempo em condições nocivas à saúde. Tal fato resultará no acréscimo de concessões de aposentadoria por invalidez e auxílios-doença, além de onerar os gastos do SUS (Sistema Único de Saúde)”, avalia.

Na opinião de Adriana Menezes, professora de direito previdenciário do CERS (Complexo de Ensino Renato Saraiva), a exigência da idade mínima esvaziou o objetivo do modelo de aposentadoria. “Deixou de cumprir a sua função, que seria a de retirar o trabalhador da exposição permanente a agentes nocivos após certo período de contribuição porque ele teve desgaste maior na sua saúde”, diz.

O texto da reforma da Previdência aprovado em primeiro turno pela Câmara também conta com regras de transição para os segurados que hoje trabalham em atividades nocivas à saúde. “No caso da atividade que exige hoje 15 anos de trabalho, será exigido que o trabalhador some 66 pontos para se aposentar. A somatória se faz com a idade mais o tempo de trabalho em condição nociva. Para trabalhadores expostos à média nocividade, a pontuação será de 77 anos com o mínimo de 20 de exposição e, a mais comum, que é a de menor nocividade, serão 86 pontos, com o mínimo de 25 anos trabalhados de forma especial. A partir de 2020 (a somatória exigida pelas atividades) subirá um ponto a cada ano”, explica João Badari.

Servidores públicos, conforme as regras de transição, ainda terão de contar com 20 anos de efetivo exercício e com cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria especial. Hoje não há uma regra específica a eles, que recorrem à Justiça para tentar conquistar a aposentadoria especial

GM Propõe redução de piso salarial

Em entrevista ao Diário do Grande ABC, o Dr. Erick Magalhães, especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados falou sobre as propostas da montadora:

Com o início oficial das negociações da GM (General Motors) com os sindicatos para flexibilizar direitos dos trabalhadores, a montadora norte-americana propôs a redução do piso salarial para a planta de São Caetano. Mesmo com o reajuste já tendo sido negociado em acordo coletivo com a entidade em 2017, com validade até 2020, o qual reduziu o valor em 20%, a empresa pediu outra adequação salarial.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, mesmo com o pedido da GM, ele não pretende rediscutir o piso. “Nós já temos acordo vigente até 2020 que não pode sofrer alterações. Hoje o nosso piso fica em torno de R$ 1.800, o que é 20% menos do que em 2017. Eles pediram outra redução além do que nós já flexibilizamos no passado, mas eu tenho um acordo em vigência e isso não discuto, só depois do vencimento”, garantiu. A entidade se reúne novamente com a fábrica hoje.

Em fevereiro de 2017, os trabalhadores de São Caetano aprovaram um acordo coletivo com mudanças no adicional noturno, piso salarial e reajuste, entre outros para a garantia de investimentos da planta. Como resposta, a GM injetou R$ 1,2 bilhão na modernização, o que inclui produção de novo veículo SUV, que deve ser iniciada em dezembro. Na teoria, a vida útil da fábrica seria até 2027.

Agora, a história se repete de maneira mais grave, pois declarações da presidente global da GM, Mary Barra, e comunicado distribuído aos funcionários alertavam para a possibilidade da retirada das operações da montadora no País. Em reunião realizada em São José dos Campos, Interior, junto a prefeitos e sindicalistas na terça-feira, a montadora condicionou investimentos a partir de 2021 a negociações como diminuição de impostos e flexibilização de direitos dos trabalhadores.

No total, a fábrica solicitou 22 adequações ao sindicato, em reunião realizada ontem, na fábrica da região. O número é menor do que as de São José dos Campos, que são 28, por conta das flexibilizações já contempladas no acordo anterior em São Caetano. Cidão não deu mais detalhes sobre o conteúdo, optando pelo sigilo, já que os trabalhadores só devem realizar a votação em assembleia no retorno das férias coletivas no dia 28. Porém, ele adiantou que as propostas são bem parecidas às apresentadas à entidade de São José dos Campos.

No texto, o qual o Diário teve acesso, a GM pede redução do piso para R$ 1.600 (30%), aumento de jornada de trabalho semanal de 40 para 44 horas, mudanças no pagamento da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), terceirização irrestrita, congelamento de reajuste salarial por um ano, entre outros. Para o especialista em direito do trabalho Erick Marcos Rodrigues Magalhães, a redução de salário “é algo impossível de ser feita” e está presente na CLT. “Ele pode ser temporariamente diminuído para preservar a empresa, o que não parece ser o caso da GM, que, apesar de tudo, apresenta lucro e não passa por recuperação judicial, ou seja, não é extremo. Existem outras medidas que ela pode adotar em vez de reduzir salários.”

Questionada pelo Diário sobre as medidas solicitadas aos trabalhadores, a GM respondeu que não ia comentar.